Black Beach

*Flashback*
O meu relógio estava parado no tempo. Era algo irónico pensar nisto. Deixei-me cair no barco de salvamento, observando o céu. Toda a comida já tinham acabado há mais de três dias, a água já tinha acabado ontem e sabia que ia morrer daqui a umas horas. O sol queimava a minha pele e, às vezes, só pensava que ia morrer disso, era tão sofucante estar debaixo do cobertor para me proteger do calor. Outra coisa irónica. Às vezes tinha alucinações, nunca sabia quando eram verdadeiras ou não. Já tinha visto o meu pai ao meu lado, já tinha visto chuva, já a tinha sentido, já tinha visto uma ilha à minha frente, já tinha visto um barco a passar mesmo ao meu lado.
Abanei a cabeça, esfregando o cabelo. Olhei para a água à minha frente, colocando-me de pé e sentindo, de imediato, as minhas pernas a tremerem como varas verdes. Abracei-me ao meu corpo, procurando os fragmentos do resto do barco, mas já estava longe, já estava demasiado longe. Fechei os olhos com uma tontura pela falta de comida no meu estômago há demasiado tempo e aproximei-me da borda do barco que me salvara a vida. Que irónico, de novo. Respirei fundo, sabendo que estava morto de qualquer das maneiras e deixei-me cair para a frente, saltando para fora do barco. Senti uma pancada na cabeça que me deixou impressionado, não era suposto, não existia nada assim a profundidades anormais. Tentei ir ao de cima, lutar para apanhar o ar e ver onde realmente estava, mas já era tarde demais.

Sempre que saía da minha cabana sentia o olhar de todos em mim, como se eu fosse muito importante, demasiado importante e por isso mesmo não me podiam perder de vista para terem a certeza que não me acontecia nada. Na verdade eu era mesmo importante mas em vez de me sentir bem com isso, só me sentia pior. Não tinha liberdade nenhuma porque não podia fazer quase nada e quando o fazia, bem digamos que as coisas não tendiam a acabar bem.
E por isso é que passava a vida a esgueirar do acampamento, mesmo quando não era suposto, e a andar sem grande plano. Desta vez essa falta de plano tinha-me levado até junto ao mar, num monte mais alto da areia preta onde sabia que ninguém me chateava nem me olhava com admiração, esperança e o que quer mais que fosse.
Estava demasiado distraída a enterrar os pés na areia até que vi no mar uma coisa estranha. A primeira coisa que se reparava era a sua cor, completamente diferente do azul do mar. Juntei as sobrancelhas e levantei-me, sacudindo a areia do meu corpo e roupas enquanto descia em direção à beira mar. A segunda coisa que reparei foi que estava alguém dentro de água, sem se mexer a não ser pela ondulação - Olá? - chamei apesar de ter quase a certeza que aquela pessoa não estava a nadar, eu nem conhecia aquela pessoa, não era ninguém da tribo, o que tornava tudo aquilo mais estranho. Descalcei-me e atirei também as minhas roupas mais pesadas assim como as armas para a areia antes de entrar na água e me dirigir ao corpo que ali se encontrava para puxar o mesmo para terra.

Instintivamente, tentei respirar quando já não havia oxigénio de reserva e isso só me deixou pior, o meu entorpecimento melhorou mas a aflição era mais real agora.
O meu corpo estava a tremer e isso era a única coisa que conseguia sentir. Também tinha deixado de ouvir nada para ouvir um zumbido irritante que me magoava, mas estava a sentir-me tão mal que nem me mexer conseguia. Quando é que isto acabava? Até a morrer eu era difícil, era o que a minha mãe diria.

Sentia a água a bater-me nas pernas, deixando-me completamente molhada e gelada. Agarrei nos braços do rapaz que se encontrava dentro de água e rodei-o de maneira a deixá-lo virado para cima enquanto o puxava em direção à areia. Não fazia a mínima ideia de onde é que ele tinha vindo, sabia que ele não era daqui mas não era por isso que o ia deixar morrer. Muitos da minha tribo podiam fazê-lo mas eu não era assim, por mais fria que fosse. Ajoelhei-me na areia ao lado e comecei a fazer pressão no peito para o tentar fazer soltar a água que com certeza tinha engolido.

Senti uma pressão no peito que me doeu mais do que devia e os meus olhos abriram-se assim que senti uma vontade súbita de vomitar. Tentei conter-me por causa de estar na água, mas não me consegui conter e acabei por mandar água por todos os lados. Senti-me atordoado por ter consigo fazê-lo e quis perceber o porquê mas a minha dor na cabeça não me deixou estar acordado muito mais tempo.

Pousei as minhas mãos nas costas do rapaz assim que ele se elevou ligeiramente e começou a cuspir água. Juntei as sobrancelhas quando ele voltou a cair para trás, desta vez parecendo adormecido. Ainda o abanei para o tentar acordar mas quando percebi que não adiantava de nada, levantei-me olhando em volta. Se chamasse alguém iam dizer para o deixar ali ou iam cortar-lhe a garganta e garantir que a coisa ficava resolvida. Não queria nenhuma das opções e por isso agarrei nas mãos dele, puxando-o pela areia escura. Eu era bastante forte para alguém da minha constituição e principalmente para uma mulher mas mesmo assim não conseguia com ele a não ser daquela maneira - Eu ajudo-te. - falei alto apesar de saber que ele não me estava a ouvir e que se calhar mesmo que estivesse, não me perceberia.