Casa da árvore

Como é que era suposto perguntar-lhe se havia alguma cidade perto, onde estava, se me podiam ajudar? Juntei as sobrancelhas, comendo o pão que, apesar de não ter o mesmo sabor que o que comia todos os dias tinha, não era nada mau para acalmar a fome que sentia. Fiz uma careta quando, ao me mexer senti uma dor na cabeça e levei de imediato uma mão a ela, na zona do meu ouvido, sentindo um líquido quente descer-me pela orelha. Observei o sangue que cobria a minha mão e juntei as sobrancelhas. Lembrei-me de ter saltado para o mar e de pouco depois ter embatido com a cabeça não sei bem onde e não conseguir voltar à superfície quando num último olhar consegui ver terra à vista. O mais provável era ter alucinado pela falta de comida e água. O mais provável, era ainda estar a alucinar. Desviei o olhar para a rapariga, esticando a mão para lhe tocar na dela e juntei as sobrancelhas quando consegui sentir a sua pele.

Estava a prestar tanta atenção a todos os pormenores dele que rapidamente me dei conta que ele estava a sangrar do ouvido. Juntei as sobrancelhas e ia esticar-me para lhe dar um pano quando senti a mão dele na minha. Primeiro fiquei completamente estática, sem estar à espera ou habituada àquilo mas rapidamente afastei a minha mão e levantei-me para ir buscar o pano - Toma. - disse secamente atirando-lhe o pano e apontei para o meu ouvido e depois para ele para que ele percebesse qual o objetivo daquilo.

Encolhi-me ligeiramente, não queria nada que ela se virasse contra mim apenas porque lhe tinha tocado mas isto parecia tão surreal que eu não conseguia ter certezas sobre se era real ou não. Esfreguei a testa, a minha cabeça doía e continuava a sentir-me demasiado fraco para me pôr de pé. Limpei o sangue que consegui com o pano que ela me tinha dado e observei a casa de madeira à volta.

Não podia levá-lo para a tribo mas também como é que o podia deixar ali? Não nos percebíamos um ao outro o que tornava qualquer diálogo impossível e não o conhecia de lado nenhum mas o mais provável era que assim que se sentisse um bocado melhor, quisesse explorar o local onde se encontrava, perceber o que se passava. Porque se eu estivesse no lugar dele era exatamente isso que fazia. Afastei-me dele para ir novamente até ao local onde tinha o jarro com água e agarrei no mesmo, mostrando-lhe de maneira a ele perceber que lhe estava a perguntar se queria mais.

Observei a espécie de jarro que ela usava para a água e assenti esticando uma mão. Acho que não era apenas em algumas horas que ia conseguir hidratar-me em pôr-me de pé. Todo o meu corpo estava em fogo e fraco. Depois dela me ter dado o jorro para as mãos bebi o que restava da água, que já não era muita, dando-lho de volta. Olhei pelos buracos, que eram janelas e respirei fundo. Tudo o que conseguia ver eram árvores e o que tinha visto quando acordara era uma floresta. Algo me dizia que não ia ter muita sorte.
Fechei os olhos com força quando começaram a arder e deixei a minha cabeça cair de novo com um suspiro cansado. Só me apetecia chorar pela minha mãe.

Fiquei imóvel a olhar para ele, tentando perceber algo mais mas não conseguia fazê-lo. Ele era estranho e diferente e parecia estar mal mas eu não sabia o que mais fazer e precisava de voltar para a tribo antes que dessem pela minha falta e decidissem vir atrás de mim, o que aumentava o risco de o encontrarem e de o matar de vez. Ao vê-lo deixar cair a cabeça mordi o meu lábio inferior de forma nervosa - Fica aqui. - disse sabendo perfeitamente que ele não me compreendia mas valia a pena tentar. Ajeitei as minhas armas e saí da casa da árvore.

Não me estava a sentir bem, de novo. O meu estômago estava a revirar-se, talvez por ter bebido em demasia, sem ter tido calma para me habituar a ter algo lá dentro depois de tantos dias. Fechei os olhos com força, ouvindo-a pronunciar alguma coisa e, só quando a vi andar para fora é que compreendi que ela se estava afastar. Passei a mão trémula pela minha barriga, não a querendo impedir de se afastar e virei-me de lado, tentando também ficar numa posição em que não me magoasse a cabeça. Mais valia ter morrido no mar.

Depois de abandonar a casa da árvore voltei para o acampamento, comportando-me de forma bastante normal. Acabei por só conseguir voltar a ficar sozinha depois da hora da refeição quando já era de noite e depois de roubar alguma comida e arranjar mais água, escapuli-me mais uma vez até ao meu sítio preferido. Ao voltar ele estava precisamente no mesmo sítio, ainda com aquele ar horrível. Pousei as coisas que tinha trazido no chão ao lado dele e depois de molhar um pano para lhe colocar na testa, voltei a sentar-me ao seu lado.

Acabei por adormecer, não sei por quanto tempo porque só me lembro de acordar com algo que me arrepiou o corpo inteiro. Queixei-me com um gemido baixo, abraçando o meu corpo com os braços, numa tentativa de me aquecer e, quando os meus olhos se focaram, observei a rapariga, que pensava que era Freya. - Água. - Pedinchei quase sem voz.

Fiquei encostada à madeira, com o olhar fixo nele enquanto esperava alguma mudança ou reação e quase dei um salto ao ouvi-lo falar - Água. - repeti saindo de maneira bastante diferente da que ele tinha dito e demorei alguns segundos a tentar perceber o que ele estava a pedir. Voltei a levantar-me, agarrei no cântaro com água e no bocado de mão que tinha trazido e aproximei-me dele, mostrando as duas coisas.

Tentei manter os meus olhos abertos para conseguir ver o que ela estava a fazer. A minha boca estava seca, apesar do meu estômago ameaçar enviar para fora tudo o que entrasse. Estiquei a mão para uma espécie de taça que ela trazia e engoli em seco, totalmente, em seco. - Água - repeti, ligeiramente, mais alto. Estiquei a cabeça na tentativa de me aproximar da água e toquei-lhe com uma mão.

Assim que percebi o que ele queria, pousei o bocado de pão ao meu lado e aproximei-me mais do Adam, de maneira a conseguir ajudá-lo a elevar-se ligeiramente e chegar à taça com água. Água. Repeti para mim própria para tentar memorizar aquela palavra. Precisava de o entender se o ia continuar a ajudar a manter-se vivo e tinha de começar com as coisas básicas, mas primeiro ele tinha de recuperar e pelo estado dele, era mais provável que acabasse por morrer.