Floresta

Começava a anoitecer e o fumo encontrava-se demasiado longe para nós chegarmos a tempo ao outro lado da ilha e saber o que se passava. Eu conhecia a floresta como a palma da minha mão e mesmo de noite encontraria o caminho para casa com a maior das facilidades mas o problema seria se dessem pela minha falta - Não podemos ir até lá. - pensei alto enquanto parava de andar. Não tínhamos tempo de ir até lá mas podíamos ver o que se passava. De cima. Olhei por cima de mim e sorri - Temos de subir. - olhei para o Adam ainda com um entusiasmado sorriso nos meus lábios.

Estava a começar a pensar que talvez devessemos ir buscar comida para a viagem que tínhamos que fazer durante a noite quando ela parou. Fiquei a olhar para ela com cara de estúpido e só me apercebi que ela estava a falar de subir as árvores quando segui o seu olhar. - Subir? - perguntei levantando as sobrancelhas e abanei a cabeça - eu não consigo subir.

Fiquei alguns segundos a olhar para o Adam enquanto pensava noutra opção mas estava fora de questão afastarmo-nos tanto do acampamento por uma lista enorme de motivos e a única opção era mesmo subir a uma das árvores e rezar aos deuses para que daí se conseguisse ver de onde vinha a nuvem de fumo. Claro que este plano poderia falhar mas nesse caso tínhamos o dia todo seguinte para irmos até lá - Então espera por mim. - tirei a minha faca do cinto e dei-lhe a mesma para a mão - Onde não tiver - não sabia a palavra por isso apontei para a minha própria armadura - ataca. Ou grita, eu venho. - com alguma sorte a tempo de o proteger antes de ele levar um golpe mortal.

Olhei para as minhas mãos, vendo que ela me tinha dado uma adaga e percebi a sua ideia de me manter cá em baixo. Olhei em volta, nada confortável com aquilo nas mãos e só quando ela ia começar a subir é que abanei a cabeça - não, eu tento - disse dando-lhe outra vez a Freya. Virei-me para a árvore com uma careta e agarrei-me à mesma tentando apoiar lá os pés e subir aquela porcaria. Como raio e que eles conseguiam subir aquilo tipo macacos? - merda - queixei-me quando caí de costas assim que me desiquilibrei.

Agarrei novamente na minha faca e guardei-a no cinto com um encolher de ombros. Fiquei parada a olhar para ele à espera e foi impossível não sorrir com a tentativa falhada dele de subir para a árvore - Tu consegues. - disse tentando dar-lhe apoio, se isso servisse para alguma coisa. Atirei o meu cabelo para trás e aproximei-me de outra árvore, começando a trepar a mesma.

Semicerrei o olhar quando vi Freya sorrir quando ainda estava no chão. Era raro ela rir-se ou qualquer coisa do género, mas sempre que eu fazia figura de parvo, lá estava ela com o seu sorrizinho, ainda que não fosse maldoso. Revirei os olhos e voltei a levantar-me - pois consigo - voltei a tentar conseguindo mais três vezes do que antes e desviei o olhar para ela - então e se eu chegar lá a cima e não conseguir descer? - perguntei com uma expressão bastante séria e fiz força para voltar a subir um bocado.

Agarrei-me a um ramo da árvore e olhei para o Adam quando o voltei a ouvir a falar. Encolhi os ombros e olhei para baixo - Saltas. - respondi tentando esconder o meu sorriso antes de continuar a trepar de maneira a conseguir chegar ao topo da mesma e ver o que se passava do outro lado da ilha de onde vinha todo aquele fumo - É melhor conseguires descer. - acrescentei alto para ele ouvir.

Arregalei os olhos, ela só podia estar a gozar comigo, eu só ia conseguir saltar aquela altitude se me quisesse suicidar, o que na verdade, já quis mal cheguei cá e percebi que nunca mais ia voltar, mas agora estava bem, pelo menos, com uma minima esperança que aquilo tivesse sido um acidente com sobreviventes e que os viessem buscar, apesar de... abanei a cabeça, concentrando-me em subir - eu consigo, não sou nenhum fraco - piquei-a com um sorrizinho.

Sorri novamente ao ouvi-lo falar na minha língua mas não disse mais nada, concentrando-me apenas a chegar ao cimo da árvore. Estava sem grande prática porque não o fazia desde que era uma criança mas não se esquecia e apesar de alguma dificuldade, a coisa não correu mal de todo. Assim que finalmente cheguei ao topo, olhei para o lado para ver como é que o Adam estava - Anda, daqui a nada está escuro. - chamei num meio resmungo.

-Eu não tenho culpa dos meus pais me terem proibido de me armar em macaco - resmunguei quando ela começou a chamar-me e a resmungar também comigo. Abanei a cabeça e fui subindo calmamente, evitando olhar para o chão. Era hoje que eu morria, estava visto, se não era no lago era a tentar voar. Sorri quando ao fim de uns minutos estava no topo, mais ou menos na mesma zona que Freya - consegues perceber alguma coisa?

Não percebi nada do que ele disse mas pelo tom sabia que estava a resmungar comigo e com o facto de estarmos a trepar às árvores. Olhei na direção da enorme nuvem de fumo mas não conseguia ver grande coisa - Não. - respondi olhando para aquela zona para ver se conseguia ver qualquer coisa - Estamos muito longe. - disse desiludida - Amanhã vou lá.

Semicerrei o olhar, tentando ver se conseguia distinguir alguma coisa para além do fumo preto, mas não via nada. Mordi o lábio com força e fechei os olhos - porque é que eu sabia que isto ia acontecer? - perguntei baixinho para mim. Abanei a cabeça e voltei a olhar para Freya - Ahm.. então e eu posso ir contigo? - perguntei. Também queria saber o que se passava. Se havia mais pessoas como eu.

Olhei uma última vez para aquele local e encolhi os ombros, começando a descer da árvore antes que se perdesse a luz do sol e a tarefa se tornasse ligeiramente mais complicada - Sim. - respondi ao Adam enquanto descia com cuidado - Pode haver mais gente como tu. Deves querer ficar com eles.

Só agora é que me deixava pensar um pouco. Eu tinha passado praticamente um ano ali e apesar de ninguém gostar de mim eu gostava de Freya. Para além de ela me ter salvo a vida, ela também não era tão má quanto parecia. Agora se fosse embora... o mais provável era nunca mais a ver, digamos que não havia ali nenhum sítio para aterrar e eu nunca mais colocaria um pé num navio ou barco ou coisa que se parecesse. Eu não sabia bem porquê mas isso deixava-me mais triste do que queria. Comecei a descer devagarinho a árvore fazendo uma careta quando me deixei escorregar demais e senti fragmentos de mandeira a enterrarem-se nas minhas mãos e a perfurarem a minha carne. Suspirei quando ao fim de uns minutos cheguei são e salvo ao chão e quase que me atirei a ele mesmo. - Se houver mais gente como eu - olhei-a - o que é que vocês vão fazer? - perguntei - já não gostam de mim aqui, quantos mais uns quantos...

Saltei para o chão quando já me encontrava a apenas alguns metros do mesmo e olhei em volta para ter a certeza que estávamos sozinhos. Claro que nunca iriam atacar o Adam quando ele estivesse comigo mas mesmo assim, mais valia prevenir. Afastei o meu cabelo para trás dos ombros e olhei para ele quando falou - Mantê-los longe. - respondi com um encolher de ombros. Pelo menos era o que eu ia defender. Não gostava de mortes a não ser que fosse estritamente necessário e matar alguém só porque tinha vindo parar à nossa ilha não me parecia necessário. Mas ainda não era eu quem dava as decisões finais - Mas se eles vierem para aqui - para o nosso lado da ilha - não posso fazer nada.

Mordisquei o interior da minha bochecha, ficando ligeiramente mais satisfeito com a sua resposta. Se ela me tinha salvo naquele dia significava que não iria matar seres humanos só porque sim. Ela era inteligente e sabia que não éramos nós, se é que estava alguém vivo, que lhe íamos provocar perigo. Que mal podíamos fazer? - Assim vamos mantê-los longe - assenti - se eles falarem a minha língua eu falo com eles - sorri por sentir que podia fazer alguma coisa para os ajudar. Olhei para o céu, que agora estava escuro por ter anoitecido e fitei Freya no escuro. - acho que é melhor sair daqui e ir comer alguma coisa.

Assenti com a cabeça devido ao que o Adam tinha acabado de dizer. Se houvesse mais gente como ele, ele seria capaz de comunicar com eles e as coisas poderiam mesmo resultar. Ou podia não ter sobrevivido ninguém e não haver qualquer problema. Esperava que tivesse sido isso que tinha acontecido até porque mais do que os problemas que o meu pai e a tribo iam ver com a chegada de mais gente, havia também o problema do Adam. Com mais gente dele, podiam-no mandar para lá, isto se ele não decidisse ir para lá por vontade própria e eu não me sentia muito bem ao pensar nisso, pensar em nunca mais o ver. O que era uma parvoíce. Abanei a cabeça para pôr as ideias no lugar mas assenti rapidamente antes que ele achasse que estava a recusar o que ele tinha dito - Sim, vamos voltar. - disse começando a andar em direção ao acampamento.

Estava feliz, interiormente sabia que havia esperanças para mim, por isso, não consegui parar de falar demasiado (ainda mais do que o normal) - então, eu estava a pensar e como depois de me ensinares a lutar vou poder trabalhar, eu gostava de caçar - disse com um sorriso orgulhoso. Não fazia muito sentido eu saber que podia ir embora daqui a alguns dias e estar a falar nisto, mas... podia-lhes acontecer o mesmo que aconteceu a mim. Apenas se esquecerem de procurar. - E não digas que é demasiado perigoso, vou saber lutar, vou saber defender-me.

Parei de andar e juntei as sobrancelhas quando ele continuou a falar e a falar - Não sei, depois vê-se. - respondi com um encolher de ombros e continuei a olhar para ele com um ar desconfiado - Porquê agora? - queria dizer uma frase mais decente para lhe perguntar o porquê de ele estar agora tão interessado em trabalhar, caçar e tudo o resto mas o meu vocabulário na língua dele ainda não era o suficiente - Quero saber mais. - disse referindo-me à língua dele. A maioria achava que não havia qualquer interesse em aprender a língua do Adam e até podia ser verdade mas também podia não o ser. Ainda por cima se houvesse mesmo mais gente como ele no outro lado da ilha o melhor era mesmo sabermos comunicar com eles.

Encolhi os ombros para responder à sua pergunta - estou cá há um ano, há dias em que passo a não fazer nada e fico aborrecido - respondi-lhe. A sorte era que as crianças gostavam de mim, caso contrário, estaria lixado. sorri quando ela admitiu querer saber mais - eu posso-te ensinar durante o jantar. Só tens que ter paciência - revirei os olhos sabendo que nela isso era raro.

- Está bem mas primeiro tens de aprender a lutar. - disse continuando a andar de volta para o acampamento, o que se tornava agora mais difícil uma vez que tinha escurecido mas eu conhecia aquela zona como a palma da minha mãe era bastante fácil para mim encontrar o caminho de volta - Eu não tenho paciência. Mas vou tentar. - disse com um encolher de ombros.

-Eu sei - suspirei, aborrecido. Não queria nada aprender a lutar, mas sabia que ali era necessário - começamos amanhã - sorri - não me dói a cabeça e aposto que amanhã ainda estou melhor que hoje, por isso começamos amanhã antes de termos partirmos para ver o que se passa do outro lado. - apesar de estar praticamente a afirmar, olhei para ela, para que ela dissesse alguma coisa sobre o assunto. - Se queres aprender tens que ter paciência.

Juntei as sobrancelhas e tentei absorver tudo o que ele tinha acabado de dizer o que me fez demorar algum tempo a responder - Está bem, eu ensino-te antes de irmos. - respondi com um aceno de cabeça e comecei a ver o acampamento a apenas alguns metros do local onde nos encontrávamos - Eu sei e vou tentar.

Virei-me para Freya, sem parar de andar - é impressão minha, ou tu estás a fazer-me as vontades todas? - perguntei com um sorriso algo maroto. Não a devia provocar, mas também tinha que ter um bocado de animação na minha vida ou ia entrar em depressão e o mais certo era não sair dali vivo por mim próprio. Olhei para o acampamento, mal chegámos e fiquei ligeiramente mais calado. As pessoas estavam sempre atentas a Freya, mas também me olhavam, como se eu a qualquer momento pudesse arrebentar com eles.