Casa da árvore

Fui afastando-me do acampamento, ao principio sem saber para onde ia até que entrei na floresta e soube. Ser filha do líder da tribo trazia muitas coisas boas mas também muitas coisas más e a pior delas todas era a falta de privacidade, a necessidade de ficar sozinha e não conseguir, e tinha sido por isso que durante bastante tempo tinha fugido todos os dias para a floresta e tinha feito uma cabaninha na mesma. Nunca tinha levado ninguém para ali e a única pessoa que sabia da sua existência era o Adam. O Adam... Suspirei e abanei a cabeça, tentando afastar aqueles pensamentos enquanto subia as escadas de corda.

Felizmente, a casa da árvore que Freya me tinha mostrado não era longe do sítio onde eu tinha tomado banho, pelo que o número de pessoas por quem tinha passado tinha sido reduzido. Uma casa da árvore era o que eu sonhava desde miúdo e só ali tinha conseguido ter uma. Freya usava-a para estar sozinha e eu ia fazer o mesmo. Não me ocorreu que ela tivesse ido para lá fazer o mesmo. Engoli em seco quando a vi e não consegui evitar dizer aquilo que queria - Eu não te posso pedir para vir comigo.

Deitei-me no chão de madeira, a olhar para o tecto onde tinha desenhado algumas estrelas. O objetivo era afastar-me de todos, parar de pensar no Adam e em tudo o que o envolvia mas era impossível. Levei a mão ao cabo da minha espada quando ouvi sons e percebi que estava alguém a subir para a cabana e fiquei pronta para atacar até perceber que era o Adam. Juntei as sobrancelhas por o ver ali e pelo que ele disse de seguida, deixando-me estar em silêncio sem saber o que dizer - Eu não posso ir contigo. O meu lugar é aqui e eu não sou como vocês.

Fiquei à porta, agora que sabia que ela estava ali não sabia se queria entrar. Se ela tinha vindo para aqui era para estar sozinha e já tinha dado para perceber que o clima estava estranho. - Eu sei. Mas... - engoli em seco, não queria dizer nada que me fizesse parecer fraco. - nós não sabemos se vão conseguir encontra-los. Eu provavelmente também fui procurado e ninguém chegou aqui. - pensei alto - nós não sabemos nada. - apertei as mãos umas nãos outras ao perceber que estava a tremer por causa da corrente de ar, ou então, apenas pela ansiedade.

Voltei a sentar-me, ao fundo da cabana com as costas contra a madeira da mesma enquanto olhava para ele. Assenti com a cabeça ao ouvir o que ele dizia, sabendo que ele tinha razão, por isso mesmo é que precisávamos de os manter afastados daqui. Enquanto estivessem longe as coisas podiam resultar mas assim que a tribo se apercebesse da sua presença e começasse a ficar mais nervosa, a ordem seria de os matar a todos. Era uma questão de sobrevivência, a que eu estava habituada mas não queria dizer que gostasse disso. Não gostava de matar inocentes mas sabia bem que ninguém era completamente inocente.
- Devias ir ter com eles. - disse tentando que a minha voz não tremesse porque não era isso que eu queria, não queria que ele fosse embora - Estarias mais seguro e podias ajudá-los. E ir para cara se alguém os vier buscar.

Encostei-me à parede do lado da porta e fitei-a, ouvindo-a dizer que devia estar ao pé deles. - Talvez mais tarde - murmurei - não me apetece entrar no alvoroço, eles iam estranhar. - encolhi os ombros - quando eles se organizarem eu apareço... - engoli em seco e não me contive, tive que me aproximar dela e sentar-me à sua frente. - posso ficar contigo, agora?

Mantive a minha cara séria o que era difícil porque me sentia mais exposta e com mais dificuldade em esconder o que sentia uma vez que não tinha tido sequer tempo para colocar a tinta na cara. Durante todo aquele tempo da nossa conversa não tinha tirado sequer o olhar da cara dele pelo que só percebi que ele estava mais despido que vestido assim que se sentou à minha frente - As tuas roupas?

Mesmo que ela não admitisse eu já conseguia ver quando ela estava mais triste. Sorri ligeiramente, percebendo que se ela estava triste, era porque gostava minimamente de mim. Fiz uma careta quando olhei para mim e enclhi os ombros - roubaram-me a minha roupa quando fui tomar banho - murmurei desviando o olhar para os meus pés sujos de terra.

Juntei as sobrancelhas e abanei a cabeça com a sua resposta. Continuavam sem conseguir deixar o Adam em paz mas enquanto lhe roubassem a roupa em vez de lhe ameaçar a vida, a coisa estava bem - Precisavas de roupa nova, quando voltarmos tenho lá umas coisas. - disse-lhe enquanto me voltava a deitar como estava antes de ele ter chegado.

Nem me queria perguntar que tipo de roupa é que ela dizia que tinha lá. Provavelmente os outros iam ficar todos furiosos por me vestir à maneira deles, mas não podia ficar só de boxers até me ir embora. Pelo menos, eles iam ficar felizes quando fossem embora. - Está bem - assenti esfregando as minhas mãos e vi-a deitar-se, acabei por fazer o mesmo, ainde que para o lado oposto e suspirei.

Pelo conto do olho vi-o a deitar-se ao meu lado mas continuei em silêncio. Não sabia o que dizer e não queria dizer mais nada. Já tinha dito bastante, já tinha falado de mais e cada vez me sentia pior, como se tivesse uma ferida que não sarava. Odiava sentir-me assim. Virei a cabeça na direção do Adam para o conseguir olhar - Quando te fores embora, vais-te esquecer de mim?

Inicialmente quando rezava mentalmente para que me encontrassem nunca pensei que uma solução para o meu problema fosse tão complicado. Nunca pensei que fosse pensar em reconsiderar se iria ficar ou ir. Mordisquei o interior da minha bochecha ao ouvi-la e forcei-me a olha-la, permanecendo calmo - eu gosto demasiado de ti para te esquecer - murmurei.

Continuei a olhá-lo, a fixar o meu olhar no seu enquanto esperava pela sua resposta. Não percebia porque é que continuava a insistir neste assunto que me deixava tão estranha mas a realidade é que não conseguia afastar-me. Assenti com a cabeça e voltei a olhar para o tecto, não suportando manter o olhar no dele - Eu também não te vou esquecer.

Fiquei ligeiramente mais descansado quando ela desviou o olhar do meu, eu ia beija-la se isso não acontecesse. Fechei os olhos com um suspiro e deixei os braços cair ao longo do meu corpo sentindo a sua mão debaixo da minha, ainda que fosse despropositado, no entanto, aproveitei esse incidente e agarrei na mesma. - eu sei, tu gostas de mim - murmurei com um sorriso, tentando aliviar o ambiente.

Senti a mão do Adam a pousar em cima da minha mas não me mexi. Devia afastar-me mas sabia que podia ser uma das últimas vezes que estávamos assim tão próximos por isso não ia fazer nada, ia apenas aproveitar. Encolhi os ombros com o que ele disse mas assenti com a cabeça de seguida - Tu és estranho e diferente mas pois gosto. - por isso é que não quero que vás embora, pensei para mim mesma mas pressionei os meus lábios um contra o outro para o evitar dizer em voz alta.

Até no sítio onde vivia ser estranho nem sempre era mau, por isso, ali era o mesmo. Deixei-me ficar a olhar para as estrelas que Freya tinha desenhado no tecto da casa - sabias que há pessoas que já foram à lua? - perguntei-lhe para não ficarmos enterrados num silêncio escuro - há cerca de quarenta e seis anos atrás - sorri ligeiramente ap lembrar-me do trabalho que queria seguir. Talvez ainda pudesse.

Mantive o meu olhar fixo no tecto mas fiz uma careta com o que o Adam disse - Como é que eles foram à lua? Com aquelas coisas esquisitas dos outros - parei para me tentar lembrar da palavra que ele tinha usado para aquele pássaro gigante de onde tinham vindo as pessoas como ele - um avião? - completei ao lembrar-me da palavra.

Ri-me, era tão engraçado vê-la tentar perceber algumas coisas. - não, é uma coisa parecida - estiquei-me até a uma espécie de giz que ela tinha a um canto e fui a um canto da parede desenhando mais um menos uma nave espacial. Sorri ligeiramente, percebendo que o jeito para o desenho não se perdera com o tempo e fitei-a - com isto, é um foguetão.

Apoiei-me nos cotovelos quando ele se levantou e continuei de sobrancelhas juntas enquanto esperava que ele terminasse o que estava a desenhar - Como é que fazem isso? - perguntei mais baixo enquanto olhava para todos os pormenores do desenho dele para tentar perceber o mesmo - E porque é que querias fazer isso? Ir à lua.

-Com a tecnologia tornou-se mais fácil construir este tipo de aparelhos - encolhi os ombros - a tecnologia é o conhecimento - tentei explicar-lhe com uma careta, continuava a ser muito mau professor, mas ela coompreendia um bocado. Mordisquei o lábio inferior com a sua pergunta. - Eu não queria só ir à lua, eu queria fazer alguma coisa que ainda ninguém fez - sorri ligeiramente. - eu sou um génio - fiquei mais convencido, rindo-me, tentando ignorar os meus pensamentos, não valia a pena falar sobre o que eu fazia lá.

Fiquei em silêncio a ouvir a sua explicação enquanto ia assentindo com a cabeça, apesar de haver muitas coisas do que ele dizia que eu não percebia ou não conseguia compreender. Encolhi os ombros e continuei apoiada nos cotovelos a olhar para ele - Não foste à lua mas aqui estás a fazer uma coisa que mais ninguém fez. Por seres de fora. - acrescentei.

Virei-me para ela depois de ter dito aquilo e sorri-lhe, segurando-lhe de novo numa mão. - E eu gosto - encolhi os ombros - algumas vezes - admiti. Havia a brutidão deles e depois havia as saudades - mas só porque estou contigo - decidi frisar com um pequeno sorriso - porque mesmo se eu tivesse sido bem recebido - encolhi os ombros - não ia gostar, se não estivesse contigo.

Acabei por me sentar assim que o Adam voltou para ao pé de mim e olhei para as nossas mãos juntas quando ele agarrou na minha. Levantei o olhar para os seus olhos quando começou a falar de novo e assenti com a cabeça - Eu também gosto de estar contigo. Ainda bem que não morreste. - disse ainda com o meu olhar fixo nos seus olhos e só me dei conta que estava praticamente em cima dele quando percebi que a distância entre nós era mínima.

Um sorriso surgiu nos meus lábios. Detestei perceber que não ia voltar durante semanas, detestei saber que estava vivo durante meses, mas quando me comecei a habituar, percebi que Freya era a única pessoa que me interessava ali. Olhei para os seus lábios quando me apercebi que estava demasiado perto de mim e a minha mão livre juntou-se até à sua bochecha, acariciando-a. - Ainda bem que me salvaste - murmurei aproximando-me um pouco mais dela. Encostei a minha testa na dela, como que a pedir autorização, mas nem me apercebi se ela queria ou não, quando dei por mim já tinha colado os meus lábios nos seus.