Rio

Encolhi os ombros ao ouvi-lo a pedir desculpa - Não faz mal. - e era a verdade, já não fazia mal. Ele tinha sido fraco, não segundo as regras da tribo por se ter suicidado em vez de ter uma morte de guerreiro mas sim porque ele sabia as consequências de estar comigo mesmo antes de o fazer e nem tinha chegado a sofrer qualquer tipo de consequências uma vez que ninguém tinha descoberto nada. Juntei as sobrancelhas quando o Adam disse que tinha saudades da intimidade com a namorada e voltei a encolher os ombros ao chegar à conclusão mais óbvia - Podes arranjar uma namorada nova aqui. Ou - fiz uma careta não sabendo muito bem sobre aquilo nem se era algo que ele fazia ou não - tu sabes, contigo próprio. - olhei por cima do meu ombro para a nuvem escuro e assenti com a cabeça - Sim. - disse alto antes de começar a sair da água.

Acho que já tínhamos tido aquela conversa sobre namoradas. Eu não ia conseguir arranjar nenhuma namorada da tribo dela. As pessoas não eram muito chegadas a mim e mesmo quem já se dava, queriam todas estar escondidas. Era estranho, parecia que tinham medo que alguém descobrisse, mas já estava habituado. - Oh pelo amor de deus, não vamos falar disso. - murmurei antes de ir ao fundo e fiquei lá durante alguns segundos, não aguentando muito mais tempo e tendo que vir à tona recuperar o ar. Endireitei-me, apetecendo-me bater por ter feito aquilo e certas memórias terem reaparecido na minha mente. Abanei a cabeça e saí da água - nunca mais vamos tocar neste assunto.

Estava a sair da água quando vi o Adam ir ao fundo e por isso parei e juntei as sobrancelhas à espera dele - Mas tu é que falaste. - constatei revirando os olhos mas não insisti mais naquele assunto até porque se ele não respondia, não tínhamos mais nada para falar. Encolhi os ombros e continuei a caminhar para fora do rio. Espremi o meu cabelo com as mãos para retirar a água do mesmo e de seguida comecei a vestir as minhas roupas novamente.

-Eu sei, mas não vamos falar mais disto - apressei-me a dizer de novo e nem me importei por estar molhado, vesti tudo de novo, sentindo-me super nojento na mesma. Tinha que lavar aquela roupa o mais rápido possível, mas agora tínhamos coisas mais importantes a fazer. Puxei o meu cabelo, demasiado grande, para trás e comecei a andar à sua frente.

Assim que vesti toda a minha roupa, tratei de prender o cinto das armas e o resto da minha armadura, deixando para o fim o cabelo de maneira a que ele secasse mais ao menos. Como o meu penteado não era suposto ser bonito mas sim prático, ficou pronto num instante mas acabei por ficar um bocado para trás em relação ao Adam que começou logo a andar - Se não houver pessoas, vais ficar triste? - perguntei quando consegui chegar ao lado dele o que não foi difícil com as minhas passadas rápidas e mais largas.

Olhei para o lado quando vi Freya ao meu lado e mordisquei o interior da bochecha. - Não sei - murmurei sinceramente - isso é uma pergunta complicada - encolhi os ombros. Não estava de bom humor para falar. Aquela pergunta que tinha feito tinha sido ridicula e o pior tinha sido a sua. Uma coisa era certa, se não houvesse sobreviventes, eu duvidava que conseguisse voltar para casa - eu gostava de ter filhos - arregalei ligeiramente os olhos quando percebi que tinha dito aquilo em voz alta. Abanei a cabeça rindo-me - eu vou matar-me. - murmurei entredentes.

- Porque é que é complicada? - perguntei sem perceber. Não havia nada de complicado entre saber se gostava que houvessem pessoas como ele e ficar com elas ou ficar connosco. Ele tinha dito aquilo na noite anterior mas eu ficava cada vez mais confusa e sem saber o que é que ele queria, o que é que ele ia fazer, e isso deixava-me maluca. Continuei a andar ao lado dele enquanto nos afastávamos do acampamento e nos dirigíamos para o outro lado da ilha, de onde vinha o fumo que ficava bastante longe, íamos demorar quase o dia inteiro a fazer aquele caminho e o mesmo de volta - Vais-te matar porque queres ter filhos? Depois eles ficam sozinhos. - olhei para ele - Quantos filhos é que queres?

Encolhi os ombros como resposta - talvez um dia eu te responda um dia - respondi-lhe, ainda que estivesse a falar mais baixo como antes. Ri-me levemente por ela ter percebido algo que eu não queria que percebesse - não - sorri - eu queria ter...-fingi pensar para não soar tão estúpido quanto soava na minha cabeça - no máximo cinco, acho que cinco serve - mordi o lábio inferior e olhei de lado para ela. Encolhi os ombros - eu estou só nervoso, não ligues ao que digo.

- Cinco? Cinco é um bom número. - respondi com um encolher de ombros à medida que continuava a caminhar, tomando atenção à conversa que estava a ter com o Adam mas também ao que se encontrava e passava à minha volta porque não me podia dar ao luxo de sermos atacados sem eu dar conta - Porque é que estás nervoso? - perguntei sem perceber nada do que se passava com ele hoje. Se calhar era por causa das pessoas dele, que podiam estar vivas. Era a única coisa que tinha mudado.

Assenti tentando ajeitar o meu cabelo que estava demasiado grande e por estar molhado caía-me sempre para a frente dos olhos e voltei a olha-la. - quantos filhos é que gostavas de ter? - perguntei. Já que estávamos neste tipo de conversas estúpidas mais valia tirar algum proveito e conhecê-la melhor. Mordisquei o meu labio inferior - estou nervoso com o que vou encontrar -tentei explicar. Mas não era só isto.

- Não sei, quatro. - respondi com um encolher de ombros porque a verdade é que nunca tinha pensado muito nisso. Olhei para o Adam e juntei as sobrancelhas ao vê-lo a ajeitar o cabelo imensas vezes, já tinha reparado mas agora molhado dava para perceber bem o quão grande é que ele estava - Não estejas. - disse tentando tranquilizá-lo mas eu absolutamente péssima nisso.

Pressionei um lábio um no outro para não dizer aquilo que queria dizer. Respirei fundo e olhei-a com um sorriso - pequenos guerreiros - brinquei baixando-me até agarrar num pau. Pelo menos se nos atacassem ou qualquer coisa do género eu também me poderia proteger. Olhei-a quando me tentou tranquilizar e encolhi os ombros - vai ficar tudo bem.

Assenti com a cabeça ao que o Adam tinha dito e sorri ligeiramente ao imaginar aquilo. Nunca tinha sido uma rapariga que sonhava com a família até porque sabia muito bem que a minha escolha não ia interessar para muito mas agora que falávamos sobre isso até era uma coisa bonita de imaginar - Os teus filhos também podem ser guerreiros. - encolhi os ombros - Quer dizer, se ficares com os teus eles vão ser normais. - voltei a encolher os ombros e olhei para ele quando o vi a apanhar um pedaço de madeira do chão - Pois vai. - esperava que não tivesse sobrevivido ninguém por vários motivos, porque se tivessem sobrevivido e o resto da tribo soubesse, as coisas podiam tomar proporções muito drásticas como tinha sido quando o Adam tinha aparecido e por outro lado, um lado mais egoísta que eu não me era muito familiar, não queria que o Adam tivesse que escolher onde queria ficar, quer dizer, que escolhesse ficar com eles em vez de connosco.

Assenti, sem dizer mais nada sobre o assunto da tribo e dos "meus". Se ninguém os encontrasse, como não me encontraram a mim, eu ia ficar naquela ilha para sempre. Guerreiros ou não eles iam ser diferentes. Quer dizer, se chegássem a existir. Sorri um bocado, olhando para trás. Nesta ilha eu sentia-me sempre perseguido, mas desde de ontem que a ansiedade tinha vindo a aumentar, para não falar, que estava certo. -Eu acho que andam a seguir-nos - murmurei baixinho. Não sabia se me queriam fazer mal, podiam só estar a seguir-nos por seguir, curiosos por saber onde íamos, mas sempre valia a pena prevenir. Não queria morrer ali com ela.

Olhei para o lado quando o Adam não disse mais nada sobre o assunto que tínhamos estado a discutir e continuei a andar, deixando o assunto morrer ali. Continuei a andar, tendo a perfeita noção que havia alguém alguns metros atrás de nós a seguir os nossos passos e a tentar manter-se escondido, não estava a fazer um bom trabalho uma vez que até o Adam tinha dado por isso - Eu sei. - disse num tom mais baixo e parei de andar aos poucos - Acho melhor descansarmos um bocado. - olhei para o Adam - Vou ver se encontro água. - afastei-me aos poucos, seguindo para o local contrário onde sabia que o nosso seguidor se encontrava, dando depois a volta sem fazer qualquer barulho e dar conta da minha presença. Aparecei atrás dele, ou melhor, dela. Gally encontrava-se agachada atrás de um arbusto a olhar na direção onde o Adam se encontrava - O que é que estás a fazer? - perguntei com as mãos na cintura enquanto olhava para ela que quase morreu de susto - Adam. - chamei alto uma vez que era completamente seguro ele aproximar-se.

Arregalei os olhos quando Freya disse que ia procurar água. Era vergonhoso mas eu morria se houvesse mesmo alguém a tentar matar-me, de novo. No entanto, logo percebi o que ela estava a fazer. Assenti, sentando-me em cima de um tronco caído de uma árvore e fiquei atento ao que me rodeava. Levantei-me num salto quando a ouvi falar o meu nome e fui calmamente ter com ela, rindo-me quando vi Gally escondida. - Olá - agachei-me esticando uma mão para ela se levantar - o que é que estás a fazer tão longe da tua mãe? - perguntei. Ela devia ser a pessoa que sabia mais inglês naquela tribo, apesar de não conseguir articular as palavras, era engraçado porque ela conseguia perceber quase tudo o que eu dizia. A sorte era que a mãe não se importava, apesar de esconder tudo do pai.

- Eu vi-vos a ir embora e como não tinha nada para fazer quis vir também. - respondeu ela com um ar super natural como se fosse a coisa mais normal de sempre.
Olhei para ela enquanto abanava a cabeça e olhei para o Adam logo de seguida - O que é que fazemos agora? - ou ela vinha connosco ver o que se passava ou tínhamos de voltar tudo para trás com ela. E sinceramente a decisão era do Adam. Sim, eu tinha bastante curiosidade em saber o que se passava do outro lado da ilha, apesar de a curiosidade estar a fugir devido às probabilidades do que podia vir a acontecer, mas as pessoas que podiam estar vivas eram como ele, portanto ele é que sabia se queria que ela viesse connosco e se confiava que ela não dissesse nada do que víssemos lá ou se devíamos ir sozinhos.

Apesar de não perceber metade do que ela respondeu, fui associando as palavras e percebi o que queria dizer. Juntei as sobrancelhas, olhando para trás. O caminho que tínhamos percorrido já era longo e não dava jeito nenhum voltar para trás. - Então porque é que te escondeste? - perguntei levantando-me quando ela fez o mesmo e suspirei quando ela encolheu os ombros. Agarrei-lhe nas suas mãos dando uma voltinha com ela e sorri-lhe - vamos fazer um jogo então. - baixei-me para ficar ao nível dela - eu e a Freya estamos a dar um passeio pela ilha e vamos encontrar coisas muito fixes, mas vai ter que ser segredo dos três - apontei para nós todos - aceitas? - perguntei vendo-a assentir, entusiasmada. A sua mãe confiava em mim e eu estava com Freya, por isso ela não se ia perguntar. Quanto ao seu pai... ela estava com Freya, certo? Então não havia problemas. - Vamos.

Olhei para o Adam enquanto falava com a Gally e encolhi os ombros quando ele decidiu que iríamos os três. Esperava que ele soubesse o que é que estava a fazer porque eu podia tentar fazer de tudo para proteger os amigos dele se estivessem vivos mas para isso precisava de ter essa oportunidade, o que não aconteceria se a Gally falasse e eu só soubesse depois da decisão tomada - Vamos. - concordei recomeçando a andar e mantendo a mão no cabo da minha espada, preparada caso nos precisámos de defender fosse do que fosse.

Quando começámos a andar estiquei o meu dedo mindinho a Gally e ela agarrou-o com o dela - acabaste de me prometer que ficava entre nós - brinquei com ela com um sorriso e ela agarrou-se ao meu braço toda marota.
-Eu não digo a mais ninguém.-sorri dando-lhe uma festinha na trança bem feita dela e andei de mão dada com Gally, ja que ela estava agarrada a mim.
-Não te preocupes, ela não diz nada, e também não vai ver nada- murmurei a Freya.

- Tu é que sabes. - disse apenas enquanto continuava a caminhada. Tínhamos perdido tempo com esta paragem e ainda estávamos bastante longe do outro lado da ilha e se queríamos chegar ainda antes do final do dia precisávamos de continuar - És bom com ela. Vais ser bom com os teus filhos. - disse retomando à conversa que tínhamos tido anteriormente.

Agarrei em Gally colocando-a às minhas cavalitas enquanto ela se esticava para apanhar passarinhos e borboletas. Ela não passava de uma criança igual às outras, mesmo fazendo parte da tribo. Tinha-lhe dito que aquilo era um jogo por isso tinha que a distrair e divertir - Ela é fácil de aturar- encolhi os ombros com um sorriso - e tenho irmãos mais novos por isso já estou habituado.

Olhei para ela assim que subiu para as cavalitas do Adam e ficou completamente distraída com o que se passava à nossa volta. Tal como o resto das crianças, nunca tinha saído do acampamento por isso isto estava a ser sem dúvida uma aventura. Voltei a olhar para o Adam e assenti com a cabeça - Eu gostava de ter irmãos. Mas temos muitas crianças por isso é quase o mesmo.

Acho que de todos, eu tinha mais saudades dos meus irmãos. Nem me queria lembrar bem, mas eu sempre tinha sido mimado por eles. Eramos cinco e eu estava no meio, havia dois mais novos, um com apenas cinco anos e outros dois mais velhos. Abanei a cabeça para afugentar os problemas e olhei para Freya - não importa se não tens irmãos de sangue, o que importa é o que vos unem - sorri ligeiramente.

Não quis continuar com aquele assunto porque só foi preciso olhar para a cara do Adam para perceber o quão triste ele tinha ficado com aquilo - Não quero que te vás embora. - disse antes de conseguir pensar e de ter tempo para impedir as palavras de sair - Se houver mais gente como tu, não quero que te vás embora. - tentei esclarecer o que tinha dito anteriormente - Mas percebo se fores. Nunca quiseste estar connosco e eles são como tu, nós não.