Cabanas

- Mas não quer dizer que fiques sozinho. - encolhi os ombros - Podes arranjar amantes ou casar. - sendo a última coisa algo que o faria ser parte da tribo oficialmente mas que não me parecia muito certa até porque ele não se dava com muitas pessoas da tribo para ficar com alguma - Como é que ela é? A tua namorada. - perguntei enquanto me encostava para trás.

Fiz uma careta com o seu comentário. Ela pertencia à tribo, ou o que quer que eles chamavam a eles próprios, por isso ia sempre achar que as coisas que eles estavam a fazer eram normais, era a cultura deles, mas a minha era diferente e eu não encaixava. - A única pessoa que gosto aqui és tu - disse-lhe e antes que ela ficasse a pensar coisas, que por acaso acho que já foram mais erradas do que agora, continuei - e dos miúdos - acrescentei. - E não digas que posso casar com uma delas porque isso na minha cultura é... fraco. - mordisquei o meu lábio inferior, ouvindo a sua pergunta - eu não quero falar sobre ela.

Não disse nada quanto ao facto de ele dizer que gostava de mim, era natural que gostasse de mim uma vez que tinha sido eu que o tinha encontrado, trazido para aqui e impedido que ele morresse durante todo este tempo - Eles também gostam de ti. - disse referindo-me aos miúdos da tribo, eram com quem ele se dava melhor e acho que havia menos gente a odiar o Adam graças às crianças. Juntei as sobrancelhas de seguida - Eles são pequenos, não podes casar com eles. Mas já há mulheres. - olhei para ele enquanto mordia o lábio inferior e dizia que não queria falar sobre a namorada - Está bem. Ela devia ser mesmo importante para ti.

Sorri, lembrando-me de um casal de irmãos que já sabiam falar a minha língua quase tão bem como eu. Quase que me tinha metido em problemas com o irmão mais velho mas ficou tudo bem. Afinal, qual era o mal deles saberem outra língua? - Não as quero - continuei a teimar com um encolher de ombros. Havia muitas raparigas bonitas, mas não me interessara por nenhuma. - Ela era da minha família. A tua família também te é importante, certo?

- É melhor assim, os pais podiam não - mais uma vez tive de parar a meio para me lembrar da palavra adequada na língua dele - gostar. - agarrei na minha faca que se encontrava pousada ao meu lado e comecei a brincar com a mesma, não tendo mais nada para fazer - Sim. - respondi e levantei novamente o olhar para ele - Como é que soubeste que a amavas? - sabia que ele tinha dito que não queria falar do assunto mas a minha curiosidade falava mais alto. Já tinha estado com alguns rapazes, muito poucos porque estava fora de questão ser mãe fora do casamento e mesmo ser mãe enquanto guerreira para além de que tinha sido tudo às escondidas ou eles acabavam mortos, devido assim nunca tinha amado ninguém, não fazia ideia de como é que isso era e estava curiosa.

Ela estava a dificultar-me a vida. Como é que se explicava a uma rapariga em que tudo era fraco como é que me tinha apaixonado pela minha namo... ex-namorada, acho eu. Esfreguei a testa com uma careta e tentei lembrar-me da primeira vez que soube. Tinha sido há mais tempo do que parecia. - não sei, acho que é só uma coisa que se sente - olhei-a - eu comecei a pensar nela todos os dias mesmo quando não estávamos juntos e... eu não sou muito bom quando sentimento mas chegou a um ponto em que eu sabia que a amava.

Assenti com a cabeça mas a verdade é que continuava sem fazer ideia do que é que tudo aquilo significava. Não fazia mal, não era suposto encontrar o amor, pelo menos não ia casar por amor mas sim com o mais forte e o mais adequado a liderar ao meu lado. Coisa que não queria pensar. Era melhor mudarmos de tema.
- A tua cabeça. Como está? - perguntei apontando com o queixo para a mesma.

Soltei um suspiro quando ela mudou de ideia. Eu não era fraco como ela dizia, mas ela ia ter razões para me chamar isso se continuasse no mesmo tema, arriscava começar a chorar que nem um bebé a qualquer momento. Sentei-me na cama, mais uma vez, ouvindo-a perguntar como estava a minha cabeça e encolhi os ombros - às vezes fico zonzo, mas acho que também é por estar farto de estar aqui - olhei-a - acho que vou sair um bocado. - É claro que tinha medo que o outro me encontrasse e me levasse de novo, mas foi por isso que continuei - quer ir, minha líder? - perguntei com um sorriso meio gozão.

- Vais ficar bem. - disse sem saber dizer tudo o resto mas a pasta que eu tinha colocado a cobrir a sua ferida era o que colocávamos sempre que fazíamos feridas do mesmo género que a dele, se bem que no nosso caso era quando lutávamos ou nos magoávamos a caçar. Levantei-me mal ele disse que ia sair, não querendo deixá-lo sozinho apesar de achar que ele agora não corria grandes riscos, não valia a pena arriscar, e comecei a guardar todas as minhas armas novamente nos seus sítios. Levantei o olhar e sorri ao ouvi-lo chamar-me líder na minha própria língua - Sim. - respondi caminhando à sua frente para sairmos da cabana.

Olhei para as suas armas, revirando os olhos mas nem disse nada. Parecia um menino em relação a ela, mas continuava a achar aquilo desnecessário, eu só ia dar uma volta, mais nada se bem que... - Eu devia começar a fazer alguma coisa - olhei-a enquanto saíamos do "quarto". Eu não fazia nada durante o dia a não ser andar de um lado para o outro, de vez enquanto ajudava a armazenar comida, ou a caçar, visto que já me tinham ensinado, mas de resto, só ensinava as crianças a minha língua e recebia aulas da deles, que era muito mais complicada, diga-se de passagem - tipo... um trabalho. -olhei para o céu que já estava escuro - eu ando a ficar aborrecido e se calhar ia ajuda-los a aceitarem-me.

Saímos finalmente da cabana e juntei as sobrancelhas ao ouvir o que o Adam tinha dito, olhando por cima do meu ombro para ele - Para te matarem mais depressa? - se ele começasse a trabalhar nalguma coisa mais séria como os membros da nossa tribo, dificilmente eu ia poder estar de olho nele o que fazia com que as probabilidades das tentativas de morte aumentassem. As pessoas sabiam que ele estava sob a minha proteção e devido a isso, apesar de não gostarem da ideia de ele agora fazer parte de nós, não faziam nada mas hoje as coisas tinham mudado e eu ainda nem sabia porquê. Isso podia querer dizer que qualquer um poderia tentar atacá-lo e se eu não estivesse lá como tinha acontecido hoje, ele estava morto - Para onde é que queres ir? - perguntei mas a minha curiosidade levou novamente a melhor quando vi uma nuvem enorme de fumo preto ao longe, bastante longe mas mesmo assim - O que é aquilo?

Num ponto ela tinha razão, depois de hoje eu não podia voltar a dormir descansado. Suspirei, enfiando as mãos nas minhas calças rotas e continuei a andar calmamente - então e se me ensinasses a lutar e depois, aí sim, eu entrasse para um emprego qualquer? - perguntei mais animado com a minha nova ideia. Esperava que ela aceitasse, estava vivo e tinha que fazer alguma coisa da minha vida. Já não ia ter sexo até morrer, isso já era demasiado triste para agora também não poder fazer alguma coisa útil que ajudasse o tempo a passar mais rápido. - Lago - respondi, mas acho que ela não me chegou a ouvir visto que havia uma enorme nuvem negra no céu. Senti o meu coração acelerar de esperança, mas rapidamente a reduzi ao minimo que conseguia. - Não sei - murmurei, percebendo o que ela tinha dito na sua língua e olhei em volta, para ver se havia mais alguém ali a ver o mesmo que nós.

O meu olhar continuava fixo na enorme nuvem de fumo que se avistava ao longe, parecia ser quase do outro lado da ilha mas alguma coisa tinha acontecido. Olhei por cima do meu ombro mas só eu e o Adam é que parecíamos ter dado conta do que se estava a passar porque as poucas pessoas que ali se encontravam, estavam distraídas com as suas tarefas. Voltei a olhar para o Adam e assenti com a cabeça - Sim. - respondi mas ele já nem se devia lembrar por isso repeti - Se eu te ensinar depois podes trabalhar. - pelo menos assim ele teria uma hipótese de se defender caso o atacassem sem que precisasse de mim, por mais pequena que essa hipótese fosse. Olhei mais uma vez em volta para ter a certeza que ninguém reparava em nós e comecei a andar, afastando-me do acampamento. Queria saber o que é que tinha acontecido.

Apesar de ter ficado contente com a sua resposta, não me consegui expressar. Era estranho estar um fumo tão negro e tão longe do acampamento. Não era como se eles tivessem fábricas ou coisa do género. - Vais até lá, agora? - perguntei visto que era de noite e o mais provável era que quando nos embrenhássemos na floresta perdessemos o rasto da nuvem de fumo.

Parei e olhei por cima do meu ombro ao ouvir a voz do Adam, por momentos esqueci-me que ele estava ali. A última vez que tinha visto algo daquele género tinha sido quando o tinha encontrado a ele - Pode haver mais pessoas. Como tu. - disse com um encolher de ombros mas senti uma coisa estranha na minha barriga - E podes ficar com eles. - completei e recomecei a minha marcha para ver se afastava aquela sensação estranha que não sabia explicar.

Engoli em seco. Já tinha pensado na possibilidade de ser um acidente mas... Fui lado a lado de Freya - mais pessoas como eu - voltei a repetir ainda meio em choque e a tentar minimizar as minhas esperanças de novo. Podiam estar todos mortos. Arregalei ligeiramente os olhos ao pensar na possibilidade de alguém vir atrás do acidente e sorri ligeiramente, assentindo - eu vou contigo - avisei, apesar dela já dever ter uma ideia que a ia seguir.

- O que é isso vontades? - perguntei fazendo uma careta ao dizer a palavra porque tinha soado de forma diferente à dele e nem tinha a certeza se a tinha dito bem - Precisas de aprender a lutar e não podes ficar sozinho se eu for ao outro lado por isso tens de vir. - respondi com um encolher de ombros. Assim que entrámos no acampamento o olhar de todos fixou-se em nós e foram várias as pessoas que nos cumprimentaram à nossa passagem, principalmente a mim, ao Adam foram poucas as pessoas que lhe dirigiram o olhar - Tenho de ver a tua ferida outra vez.

Ri-me da forma como ela falou, por ainda não saber pronunciar bem a palavra e tentei encontrar outra definição - vontades é... o que te apetece fazer. Tu estás a aceitar tudo o que eu quero fazer. Percebeste? - perguntei. Desviei o olhar das pessoas que encaravam Freya. Às vezes era realmente assustador, principalmente quando, a seguir, me mandavam olhares assassinos. No entanto, não desviei o olhar do homem que me tinha magoado na cabeça e tentado matar na lagoa. Não o estava a desafiar, mas ele precisava de entender uma coisa. Eu não tinha medo dele. Se ele fosse um homem decente não me teria atacado por trás feito... parei os meus pensamentos, entrando na minha tenda e assenti a Freya - está bem.

- Percebi. - respondi de volta e calei-me de seguida enquanto passávamos por todas aquelas pessoas até chegarmos à cabana. Esforcei-me por esconder o sorriso quando reparei que o Adam manteve o olhar fixo no Arraskar, mostrando ser exatamente o contrário daquilo que a maioria achava dele, que era um fraco. Ele não era fraco, simplesmente não estava habituado às nossas regras e ao nosso modo de vida. Entrei na cabana e a primeira coisa que fiz foi voltar a encher com água um dos recipientes para lavar as mãos e ver a ferida dele de seguida.

Sentei-me na minha cama improvisada, porque comparado com a minha verdadeira cama aquilo não era nada e fiquei a olha-la a lavar as mãos. - Ele é um bocado fraquito por isso eu acho que a minha cabeça já está melhor - disse com um sorriso retirando eu próprio a banda de tecido que ela tinha prendido à minha tenta colocando-a em cima das minhas pernas. Só esperava que estivesse mesmo, eu não me sentia mal e isso era bom, mas queria começar a treinar o quanto antes.

- Ele não é fraco. - aproximei-me do Adam e afastei as pernas dele de maneira a eu ter espaço e de maneira a que fosse mais fácil tratar da testa dele. Agarrei noutro bocado de tecido e passei o mesmo por água para de seguida limpar o que ainda restava da pomada que lhe tinha colocado - Ias morrer no lago. É a pior morte. - agarrei-lhe no queixo para que ele não se mexesse e fosse mais fácil a minha tarefa - Tiveste sorte. De eu ter visto.

-Eu sei, estou só a... - parei para pensar na palavra, mas não conhecia nenhuma na sua língua - brincar - encolhi os ombros e tive que afastar as pernas para ela se pôr entre elas. Arregalei ligeiramente os olhos, esfregando as mãos sujas e esfoladas nas calças rotas. Levantei o queixo assim que me tocou no mesmo, o que me levou a fitar os seus olhos. Ela tinha olhos mesmo lindos, se calhar era por isso que as pessoas gostavam tanto de olhar para ela enquanto passava. - Eu sei. - admiti - obrigado.

- Não faças isso. - atirei o pano para a água suja e olhei com atenção para a ferida que ele tinha na testa e que estava com muito melhor ar do que antes - Ele é forte e tu és fraco. Morrias se eu não aparecesse. Não há nada para brincar. - larguei-lhe o queixo e olhei para os olhos dele, sentindo o seu olhar fixo em mim - De nada. Está boa. Vais ficar bem.

Revirei os olhos. - Vocês não têm sentido de humor, pois não? - perguntei de forma retórica e antes que ela perguntasse o que era sentido de humor eu continuei - sentido de humor é quando brincamos com coisas que não devemos mas mesmo assim é divertido - sorri ligeiramente. - Se não tiveres sentido de humor vais ser deprimente toda a vida. - comentei. Sorri quando me disse que estava boa -no final, eu fico sempre bem.

- Não temos isso. - respondi fazendo cara feia e afastei-me dele, caminhando até à minha cama e acabando por me sentar na mesma - Se houver mais gente como tu queres ficar com eles? - perguntei levantando o olhar de maneira a olhar para o Adam enquanto fazia um ar natural e descontraído, ou pelo menos a tentar porque sempre que pensava nesse assunto sentia coisas na barriga como se fosse acontecer alguma coisa má.